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segunda-feira, 23 de maio de 2022

Análise da frase “jamais estupraria você, porque você não merece” de Jair Bolsonaro

Análise da frase “jamais estupraria você, porque você não merece” de Jair Bolsonaro, apresentada à disciplina Teorias da Linguagem para obtenção de nota parcial. Professora: Dra. Áustria Rodrigues Brito Aluno em Regime Especial: Fábio Correia de Rezende.


        O atual presidente da república brasileira, quando era deputado em 2014, em uma sessão da Câmara, no dia 9 de dezembro desse ano, afirmou que a deputada Maria do Rosário não “merecia” ser estuprada. E, no dia seguinte, enfatizou o que havia falado e ainda ampliou o seu discurso dizendo que não teria coragem de estuprar Maria do Rosário porque a considera uma mulher “muito feia” e não faz o tipo dele, ou seja, por não fazer o seu "gênero"1 .

        A partir da imagem acima, do discurso proferido pelo atual presidente da república, na época do ocorrido era deputado federal, este trabalho, em formato de fórum, objetiva  analisar o contexto, a pessoa e o discurso com base na teoria de Bakhtin e Benveniste. Contudo, deixo aqui registrada a minha indignação como ser humano, cidadão brasileiro, pai de filhos adotados, pertencente a uma família de mulheres, não compactuo com discursos ofensivos, machistas, não desejo perpetuar a cultura do estupro. Acredito que podemos enfrentar discursos nesse contexto, para contribuirmos no combate ao preconceito.

        As pessoas são dotadas de capacidades que são desenvolvidas ao longo de suas trajetórias em contextos diversos, como por exemplo, escolar, religioso, político, social. Mediante, após o discurso proferido por Jair Bolsonaro sobre o ato do estupro, reportando-se a Maria do Rosário, nos faz refletir a cerca das capacidades desenvolvidas pelo atual presidente durante a sua trajetória de vida pessoal, intelectual, familiar e religiosa. Pois, de acordo com Benveniste (2005), por meio da linguagem e no uso dela que o homem se desenvolve como sujeito. Então, quais foram as linguagens desenvolvidas e apreendidas por Jair Bolsonaro para se constituir no atual sujeito e utilizar-se da sua subjetividade para proferir discursos machistas? Benveniste (2005) complementa que o ponto central da subjetividade está na utilização da língua no dia a dia. Nesse sentido, Sepulveda (2019) destaca sobre a fala machista discursada por Jair.

        "O machismo é o comportamento, expresso por opiniões e atitudes, de um indivíduo que recusa a igualdade de direitos e deveres entre os gêneros sexuais, favorecendo e enaltecendo o sexo masculino sobre o feminino. Portanto, o machista é o indivíduo que exerce o machismo. Em um pensamento machista existe um sistema hierárquico de gêneros, onde o masculino está sempre em posição superior ao feminino. Ou seja, o machismo é a ideia errônea de que os homens são "superiores" às mulheres" (SEPULVEDA, SEPULVEDA, p. 63, 2019).

        Portanto, entende-se que o discurso proferido por Jair Bolsonaro está intrinsecamente ligado ao sistema hierárquico de gênero, ou seja, a subjetividade dele fora construída em um contexto repleto de opiniões, discursos e valores machistas, dos quais a repetição se faz presente nos atos dele, reforçando, assim a cultura de que a mulher é inferior e deve ser vista como um objeto de prazer para o homem. Porém, isso não significa que ele é reflexo “negativo” dos sistemas sociais. 

        Mediante o discurso analisado, para Bakhtin (1997) todo discurso é um ato político e ideológico, onde há ocorrência de vozes ressoadas. Segundo Araújo (2017), o campo da política é uma instância de propagação de diversos discursos e vozes que se conectam em algum nível, maior ou menor, nas relações sociais. Nesse sentido, infere-se que o discurso realizado por Jair Bolsonaro contra a deputada, além do viés político partidário, há o viés ideológico construído por meio das diversas vozes das quais contribuíram para o processo de desenvolvimento da subjetividade linguística desse ser.

        A linguagem, “cuja realidade fundamental é a interação discursiva, é uma atividade que, justamente por só existir em relação ao outro, objetiva -se na realidade concreta compartilhada entre o eu e o outro” (VIANA, p. 23, 2019). Nesse sentido, indaga-se, o que Maria do Rosário tem ou teve que houve, por parte de Jair Bolsonaro a necessidade da interação discursiva machista? Na teoria bakhtiniana, os discursos são representações individuais do pensamento, portanto, compreende-se que o discurso proferido por Jair é uma representação individual, porém não é neutra, porque entende-se que há muitos outros discursos sendo proferidos de forma machista como o de Jair, contudo, uma diferença destacada é a posição social e política exercida pelo falante, ou seja, o nível de poder é maior comparado a um cidadão comum. Pereira e Rodrigues (2010) explicam que “Bakhtin afirma que não há enunciados isolados, à medida que todo e qualquer enunciado pressupõe enunciados que o antecederam (os enunciados já-ditos) e aqueles que se sucederão no tempo e no espaço (enunciados pré-figurados) (PEREIRA, RODRIGUES, p. 149, 2010). E, é por isso, que esse e outros discursos do atual presidente continuam no campo do preconceito.

        Portanto, para concretizar minha participação nesse fórum, um ponto específico que abordou-se mediante a frase proferida por Jair Bolsonaro (imagem acima), de acordo com Pereira e Rodrigues (2010) foi a análise dos discursos da teoria bakhtiniana, requer estudar os modos da língua e como ocorrem situações de comunicação verbal por meio das realidades sociais.Verificar os enunciados e as diferenças entre eles, buscando elos de ligação e elementos constituintes. E, examinar o uso da língua a partir de interpretações e usos habituais. Tudo isso, “no conjunto da sua concepção social e dialógica da linguagem e do sujeito” (RODRIGUES, p.418, 2004).



1 Fonte: https://abridordelatas.com.br/jamais-estupraria-voce-porque-voce-nao-merece/

Fonte da imagem: https://abridordelatas.com.br/wp-content/uploads/2018/08/campanha-abridor-de-latas-frases-que-ainda-ouvimos-por-ai-frase-23-bolsonaro.jpg 


REFERÊNCIAS

ARAÚJO, L. B. Análise das projeções do Ethos discursivo do deputado Jair Bolsonaro no Twitter. 2017.

BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso ‖. In: Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

BENVENISTE, É. Problemas de linguística Geral I: tradução de Maria da Glória Novak e Maria Luisa Neri: revisão do prof. Isaac Nicolau Salum, v. 5, 2005.

PEREIRA, R. A.; RODRIGUES, R. H. Os gêneros do discurso sob perspectiva da Análise Dialógica de Discurso do Círculo de Bakhtin. Letras, n. 40, p. 147-162, 2010.

RODRIGUES, Rosângela Hammes. Análise de gêneros do discurso na teoria bakhtiniana: algumas questões teóricas e metodológicas. Linguagem em (Dis) curso, v. 4, n. 2, p. 415, 2004.

SEPULVEDA, D.; SEPULVEDA, J. A. Trabalhando questões de gêneros: Criando e recriando currículos para a valorização do feminino. Periferia, v. 11, n. 4, p. 58-80, 2019.

VIANNA, R. A linguagem pela perspectiva do Círculo de Bakhtin. Revista Odisseia, v. 4, n. 1, p. 19-33, 2019.





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