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quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

O BELO E O FEIO: um estudo comparativo entre a personagem Alícia de Cinzas do Norte, de Milton Hatoum e a Caolha de Julia Lopes de Almeida.

O BELO E O FEIO: um estudo comparativo entre a personagem Alícia de Cinzas do Norte, de Milton Hatoum e a Caolha de Julia Lopes de Almeida.
ALDA SOUSA MATOS
                                                                                                                   FÁBIO CORREIA DE REZENDE

A beleza agrada aos olhos, mas é a doçura das ações que encanta a alma.
Voltaire

           Este trabalho tem por objetivo fazer uma análise sobre os aspectos relacionados aos padrões de beleza estabelecidos pela sociedade, por exemplo, postura, cabelo, vestuários, vocabulário, entre outros, ou seja, como a sociedade acolhe aqueles que não se enquadra nos padrões instituídos e como a literatura reflete as relações do “homem” com o mundo.
Numa concepção história, não há como esconder que os conceitos de “Belo e Feio”, são desde cedo, assimilados e instituídos dentro da convivência social. A concepção sobre o que é belo e feio, sempre foi tratada, historicamente sobre diversos aspectos, especialmente sob o senso comum, de forma generalizada e genérica. Na infância, por exemplo, somos estimulados a entender o que pode ser belo e o que pode ser feio, sendo que na maioria de alguns contextos, por exemplo, nas histórias infantis, o “Belo” é sempre o bom, agradável, o que vence o mal e no final tudo termina perfeitamente bem. Enquanto o “Feio”, os podem ser os seres que representam o mal, o antagonista das histórias e estórias, são os reclusos a uma vida de solidão, dor e perversidades. Desde crianças, somos acostumados a identificar bruxas como fazendo parte do lado do mal e associando-as a sua aparência de feiúra. Podemos citar a fábula de Branca de Neve, além da beleza pré-estabelecida pelo personagem é foco de desejo pela madrasta, a qual é a vilã, e se transforma em bruxa feia e má. Segundo Eco (2007,p.212), as bruxas com sua aparência de velhas e feias são constantemente  recuperadas nas “histórias fabulísticas”  e de terror. A beleza e a feiúra sempre estiveram entre as discussões existentes em todos os tempos, de todas as sociedades e isso refletiu em todas as esferas da sociedade.
 Na era contemporânea, onde as imagens, coloridas, vivas, repletas de efeitos através da cultura multimídia, e os meios de comunicação são o principal mecanismo de propagação de como a sociedade pensa e concebe o Belo e o Feio, contribuindo para a (re)produção de estereótipos. Desse modo, esse trabalho busca analisar a produção de sentidos sobre o Belo e do Feio tem se apresentado como fonte riquíssima de pesquisas acadêmicas nas representações sociais. Optamos por nomear os termos Belo e Feio com as iniciais ora maiúscula e ora minúscula, mas sempre no mesmo sentido.
Em torno destas classificações, elegemos como corpo de análise, a personagem Alícia do romance Cinzas do Norte, do escritor amazonense Milton Hatoum, sendo ela uma representante da beleza desejada e estereotipada na sociedade. Cinzas do Norte é o relato de uma longa história que se passa em Manaus nos anos 1950 e 1960. Dois meninos, de um lado, Olavo, de apelido Lavo, o narrador e órfão, cresce à sombra da família Mattoso; de outro, Raimundo Mattoso, ou Mundo, filho de Alícia, mãe jovem, e mulher do aristocrático Trajano. Para Trajano, a Vila Amazônia, é o seu palacete.  
 Alícia é o retrato da cabocla amazonense, inconfundível na sua beleza e nos seus conflitos, vivendo e sobrevivendo da riqueza e da miséria, conflito da ancestralidade e da confusão de raças, culturas e sangues, incompatibilidade necessária e busca de unidade humana no outro.  Ela não sabia e nunca soube quem era o seu pai, talvez um francês que só deixou um vestígio nas Cinzas do Norte. A mulher pobre que um dia aportou na beira do rio Negro, acompanhada por sua irmã Algisa e uma índia, mantenedora de exóticos costumes, casou-se com um descendente de português. Este homem rico e mesquinho, dono da Vila Amazônia. O senhor Jano.
Como contraponto, queremos estabelecer relação entre a personagem de Cinzas do Norte, Alícia com a personagem do conto "A Caolha", de Julia Lopes de Almeida. Temos um narrador observador. Os personagens principais são A Caolha e o seu filho Antonico. Como características marcantes do conto, podemos destacar a descrição minuciosa dos personagens, seja fisicamente, ou psicologicamente. Dona “Caolha” é uma mulher magra, alta, macilenta, peito fundo, busto arqueado, braços compridos, delgados, largos nos cotovelos, grossos nos pulsos; mãos grandes, ossudas [...] boca decaída, numa expressão de desprezo, pescoço longo, engelhado, como pescoço dos urubus; dentes falhos e cariados”. (ALMEIDA, conto A Caolha)
Tais características nos fazem pensar que se trata de uma senhora de idade avançada e que sofrera muito em sua vida é uma senhora de origem humilde que não tem muitas expectativas de vida, com condições desumanas impostas aos deserdados propiciando uma compreensão critica das condições sociais, materiais e culturais situadas na obra.
Entre as duas personagens, podemos observar as diferenças marcantes na construção da identidade. Segundo Tomás Tadeu da Silva (2008), a identidade e a diferença são determinadas pelos sistemas discursivos e simbólicos que lhe dão definição, ou seja, de um lado Alícia, vivendo sob a pressão do esposo Jano para realizar o sonho do seu filho Mundo, o de se tornar um artista, e do outro a Caolha, sem esposo, trabalhando dia a dia para projetar uma vida “melhor” para o seu filho.
 A literatura, e todas as formas artísticas, é uma das práticas, de que o homem se vale para conhecer e para suportar o peso da realidade empírica e de encontrar respostas às angustias e aos entraves da própria condição humana e aos entraves dispostos na história. Assim, no texto literário, cabe a cada um de nós, quer as alegrias quer as desgraças impostas pelas nossas circunstancias ou pelas personagens. Pensemos, em primeiro lugar, na realidade da própria condição humana. Como é sabido, a condição humana, no seu sentido antropológico, pode ser vista como trágica, porque continuamente e sem saída, ela está a mercê das intempéries e do imprevisível, inclusive da morte, sobre a qual nenhum de nós tem controle. Nesse sentido a condição humana é o fatum (fado, destino) inexorável do trágico. É o acidental, o fortuito que, quando menos esperamos, nos apanha esmaga sem remorso, sem misericórdia ou sem os meios do livramento. Para falar disso há narrativas, desde os primórdios da escrita, que expõem a perplexidade, a revolta e a angustia desta condição para a qual o homem busca meios de a suportar ou a ultrapassar. Como se não bastassem a correntes da condição humana, a ela vêm somar, em segundo lugar as ideologias, dentro desse arcabouço, os padrões de beleza que é definido por uma cultura que privilegia o olhar masculino, mas isso não se reduz a homens ou mulheres. É uma questão cultural. (SANTOS, 2001)
O fatum da Caolha era a feiúra, pois as pessoas que não se adequam ao padrão de beleza vigente tendem a ser excluídas da sociedade é como se ser feia não preenchesse o requisito de ser fêmea. E o personagem da literatura em destaque aqui é para essa reflexão. Por isso todos temos que ser conhecedor das condições humanas, no seu sentido antropológico bem como no sentido sociológico. Segundo Candido (2006), a estas formas de se conhecer de se conhecer o ser humano poderíamos acrescentar o conhecimento teórico-artístico, o psicológico, o filosófico, o lingüístico discursivo, entre outros. Um texto literário contem, de forma simbólica, esses conhecimentos. É por isso que tem fôlego para ultrapassar o tempo, o espaço e o destinatário da produção. Como lhe é próprio uma leitura de um texto literário faculta o leitor a oportunidade de entrar no universo por ela figurado, cujo cabedal lhe oportuniza ordenar os pensamentos e sentimentos, organiza a visão de mundo e de si mesmo diante do outro e do universo.
Por essas peculiaridades, o conto A caolha, figura um universo narrativo com alcance humanizador, universo que revela a contrapelo, o quanto a vida humana pode ser pisoteada pelas condições matérias e socioculturais que historicamente constituem a sociedade brasileira. Entendo aqui por humanização o processo que confirma no homem aqueles traços que julgamos essenciais, como exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do amor. A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante. (CANDIDO, 1989,p.117).
Para concluir, percebemos o quanto estereotipadas estão as personagens descritas e analisadas, na obra de Hatoum e no conto de Almeida. Percebemos, através delas a concepção enraizada e estigmatizada na sociedade sobre os conceitos de “Belo e Feio”. Os padrões de beleza impostos pelas normas sociais, a noção do Belo como o centro e o Feio como margem, conforme Hugo Achugar em Planetas sem Boca (2006), “somos sujeitos, ocupando algum espaço. É preciso dar voz e espaço para externar seu ponto de vista”. E apesar das diferenças entre as duas personagens, ambas ocupavam seus espaços e pela falta da oportunidade da Caolha, não pode expressar sua voz, e nem Alícia, mesmo relutando contra Jano, sempre era silenciada.



REFERÊNCIAS
ACHUGAR, Hugo. Planetas sem boca: escritos efêmeros sobre Arte, Cultura e Literatura. Tradução: Lyslei Nascimento. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006.

BORGES, Rudinei. Essencial de Milton Hatoum. https://arusetima.wodepress.com/2009.

CANDIDO, A. Literatura e Sociedade. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2006.

CANDIDO, A. Direitos humanos e literatura. In: Fester. A.C.Ribeiro(Org.). São Paulo: Brasiliense, 1989.

ECO, Umberto. História da Beleza. Trad. Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Record, 2004.

_______, Umberto.História da Feiúra. Trad. Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Record, 2007.

HATOUM, Milton. Cinzas do Norte.  São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
MORICONI, Ítalo (Org.). Os cem melhores contos do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

SANTOS, L.A.B; OLIVEIRA, S. P de. Sujeito, tempo e espaço ficcionais: introdução à teoria da literatura. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

SILVA, Tomás Tadeu da. (org.) Identidade e diferença: a perspectivas dos estudos culturais. 8 ed. Petrópolis, Rio de Janeiro: Rocco 2008.







terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Línguas Indígenas, Contato, Relações Interétnicas



Línguas Indígenas, Contato, Relações Interétnicas


           ALDA SOUSA MATOS1
FÁBIO CORREIA DE REZENDE2


1 Aluna do Curso de Especialização em Literatura – Unifesspa e Cientista Social
2 Aluno do Curso de Especialização em Literatura – Unifesspa e Profr. na Educação Básica


Falar sobre os povos indígenas ainda é um assunto que nos remete a muitos tabus e divergências, isso muito por conta de como se deu a colonização no Brasil, os portugueses que para cá vieram, ignoraram, arruinaram os povos que aqui viviam, a colonização trouxe muitas seqüelas para os povos indígenas, muitos foram dizimados, foi usurpadas suas terras, cultura, sua essência. Ao recorremos à história oficial, veremos fatos narrados através de um observador centrado na subjetividade, no misticismo, numa visão canônica e eurocêntrica, a qual colocou os indígenas num patamar de seres subalternos, sem almas, demoníacos, incapazes, preguiçosos e dotados de Culturas inferiores.
E na esteira da destruição a cultura indígena foi assolada inclemente mente, e é de suma importância os estudos sobre a cultura dos povos indígenas, para que possamos desmitificar muitos de nossos preconceitos, inicialmente vamos levar em consideração alguns aspectos, como por exemplo, a etimologia de alguns termos. É ideal que se use a palavra aldeia, aldeamento ao invés de tribo, pois a segunda remete a conceitos negativos e preconceituosos, outro que podemos observar é a própria palavra índio. Sob uma perspectiva histórica, esses povos não são índios, mas sim indígenas, com diversas subdivisões/etnias. O estudo da sociolingüística contribui muito para desmistificar esses (pré) conceitos.
Outras considerações que chamo a atenção são para as temáticas: ações indigenistas, eticidade e a relação interétnica. Os indigenistas são as pessoas especializadas nos estudos das aldeias indígenas. A eticidade é a qualidade ao ético e a moral relacionada aos povos. E interétnica é a relação que ocorre em duas ou mais etnias, como por exemplo, indígenas e os não-índios. (OLIVEIRA, 2000).
Faz-se necessário que as comunidades indígenas comecem a protagonizar sua própria história, e para isso, é necessário conhecer suas origens, compreender o processo das relações de poder que implicou na subalternização de seus povos, o que nos dá uma visão panorâmica dos porquês e como foi feito o contato entre as etnias, e quais conseqüências desastrosas trouxeram essas relações interétnicas, para que possamos conhecer de fato sua verdadeira história.
Vale ressaltar que o Estado contribuiu muito para o silenciamento dos povos indígenas. Vozes que durante muito tempo foram caladas pelos órgãos como o IBAMA, FUNAI os quais falavam em nome das aldeias indígenas, falavam omitindo suas historias, ignorando suas especificidades, como se todas as etnias tivessem os mesmos hábitos e costumes, dentre outros, não dando a oportunidade dessas comunidades tornarem protagonistas de suas próprias vidas, o que contribuiu bastante para o isolamento e a mística em torno dos indígenas.
Muitos grupos buscaram sua autonomia e atualmente podemos observar que muitas dessas vozes já estão sendo ouvidas, discutidas, e analisadas, ou seja, as comunidades indígenas existem e precisam se fazer presente de fato e direito, dentro das esferas sociais na luta por implementação de políticas públicas que atenda às suas especificidades.
Desse ponto de auto afirmação da Identidade, fazer ouvir suas vozes caladas, numa visão individual e coletiva leva a uma aceitação do bidimensionamento, onde Bahbha chama isso de “arestas”, os espaços que o EU em busca do OUTRO, nesse universo biossocial, faz-se num campo individual e coletivo possibilitando sair do etnocentrismo para um anti-etnocentrismo.
Essas visões diferenciadas pode nos levar a analisar sobre o seguinte aspecto que é primordial para a Identidade Cultural dos indígenas, a visão deles sobre a Terra, ou seja, sob qual olhar temos que entender e perceber o sentido social, cultural e humano no campo da subjetividade que a Terra faz parte para eles. Observar essas visões diferenciadas sob uma perspectiva ética pautada no etnodesenvolvimento. Para Oliveira (2000), o etnodesenvolvimento se dá através de dois aspectos: visão interna ou endógena, e planejamento, execução e avaliação.
O QUE DIZEM OS LIVROS DIDÁTICOS SOBRE AS SOCIEDADES INDÍGENAS NO BRASIL
            A representação do índio na sociedade acontece de forma celebrativa no dia 19 de abril. Essa data, porém é tratada nos livros didáticos de forma equivocada e distorcida. “O conhecimento ainda não ultrapassou os muros da academia, sobre os indígenas, a produção acadêmica, ainda não tem tido o impacto que poderia ter”. (GRUPIONI, 2004, p. 481).
            O que de fato Grupioni nos propõe é uma reflexão acerca da visão sobre a população indígena que a escola tradicionalmente tem repassado aos sujeitos participantes dela, ou seja, uma visão de que o índio é aquele ser que vive na mata, pesca, usa a flecha e o arco para caçar sua própria comida, ou seja, uma visão unilateral, a qual os historiadores colocam como o sujeito como algo imutável como no período da história que já tem mais de 1500 anos.
            A desinformação é marcada pelo preconceito e discriminação no (des) entendimento a qual a sociedade tem pelo conceito de cultura, a qual pode entendê-la como a capacidade do ser humano de criar significados, onde cada cultura vê o mundo através de pressupostos que lhe são próprios.
            Nesse campo, o livro didático é uma fonte importante na formação da imagem que temos do OUTRO. É uma autoridade tanto na sala de aula, quanto no universo do aluno. A questão é como essa visão do OUTRO, no caso a população indígena tem sido vista pelo olhar do nosso aluno na educação básica, e que se perpetua até o ensino superior, a qual já está enraizada essa visão negativa e limitada acerca das comunidades indígenas e para modificá-la é preciso percorrer um longo e tortuoso caminho.
            Podemos assim questionar: Como o livro didático tem trilhado a temática indígena? Qual a imagem do índio? Qual informação sobre a cultura de outros povos tem repassado aos alunos? Não é tão difícil pensarmos as respostas para essas perguntas, pois pelo contexto nos livros didáticos, há uma nacionalidade que surge com a diversidade, ou seja, índios são retratados no passado. Aparece em função do colonizador através de uma historiografia totalmente européia.
            Infelizmente o índio é coadjuvante e não sujeito de sua própria história. Os livros didáticos não os consideram como atores que influenciaram na construção dos fatos no nosso continente. É visto como um paradigma da evolucionista. (GRUPIONI, 2004). O livro didático geralmente tem mostrado os indígenas como seres que fazem canoas, andam nus, se enfeitam, comem mandioca. A ausência do relato sobre a complexidade de sua vida, ritual, as relações com o mundo, sistema de parentesco e descendência, ou seja, o índio é um ser genérico.
            Partindo desse contexto do livro didático, pensemos sobre a seguinte pergunta: O que é a Educação Escolar Indígena? É um projeto étnico ou étnico-político? A palavra educação dá uma responsabilidade aos professores, mas, o foco é que esse papel da responsabilidade deve ser levado e ampliado as famílias, estado, governo entre outras esferas da comunidade escolar. A importância da compreensão da educação diferenciada em relação ao tema indígena. (D’ANGELIS, 2001).
Pensando na escola, a mesma deve atender aos interesses da comunidade. Não sendo uma escola do não-branco, portanto, deve-se repensar e ter um foco a qual a comunidade seja totalmente incluída para que a mesma desempenhe seu papel social indígena. A política de inclusão na educação indígena seja através de um projeto étnico, onde o mesmo seja um projeto histórico elaborado com referência a um grupo ou grupos étnicos, ou seja, a uma ou várias etnias.

Que tipo de projeto interessa a educação escolar indígena? Projeto conservador, liberal, autêntico. Pensar as possibilidades e as inferências do governo, estados e municípios bem como a comunidade escolar. Na visão do autor, D’Angelis, um projeto político transformador deve ser o ideal para a educação indígena. Na busca e na conquista da autonomia de fato.

 O ATO DE PLANEJAR
            O Brasil atualmente tem cerca de 180 línguas indígenas faladas, porém muitas delas estão em extinção. As relações de poder e as intenções políticas colaboram para a morte dessas línguas a qual deixam de ser transmitidas de uma geração a outra dentro das comunidades indígenas. Essas relações de poder e a política em vigor estão imbricadas no capitalismo exacerbado, na relação de subordinação dos grupos menos favorecidos que tem suas culturas tratadas de maneira secundaria o que contribui para que os falantes nativos deixem de utilizar sua língua natural. 
            Historicamente, a política lingüística no Brasil, começou quando o marquês de Pombal, em 1757, institucionalizou a Língua Portuguesa como língua oficial brasileira nas escolas públicas e proibiu o ensino e o uso das línguas indígenas. (GONÇALVES, 2009, p.208).
            Fatores sociais, econômicos e culturais contribuem para uma decisão inconsciente para deixar de falar uma língua. O status, prestígio de uma língua é outro fator que a faz ser esquecida. Imaginem uma situação típica do cotidiano de uma escola pública, cujos alunos indígenas sofrem bullying por utilizarem a sua língua nativa, então, mediante a situação, preferirão utilizar sempre a língua portuguesa a que o idioma étnico deles, para se enquadrarem dentro do grupo escolar. Uma visão cultural de como EU vejo o OUTRO a partir da minha língua.
            Mas o que vem a ser Política Linguística e Planejamento Lingüístico. Segundo Gonçalves (2009):
·         Política Linguística: são as metas, local ou governamental, para as línguas existentes em uma sociedade ou contexto, é o plano de ação;
·         Planejamento Lingüístico: é a operacionalização de uma Política Linguística, são as ações na prática.
É importante frisar sobre os termos acima, a qual a autora Gonçalves nos traz. Pois as políticas, sejam elas local ou nacional, devem favorecer para a preservação das línguas indígenas. Devemos começar a pensar sob um novo foco, ou seja, a importância cultural das línguas indígenas para nossa afirmação da Identidade, a própria afirmação da Identidade das etnias indígenas na sociedade brasileira.
      Assim, a mesma autora citada nos apresenta três tipos de planejamento Lingüístico, são eles: (i) Planejamento de Status: valorizar, priorizar a língua em qualquer aspecto oral e escrito. (ii) Planejamento de Aquisição: a forma como a língua será ensinada em programas específicos. (iii) Planejamento de Corpus: dar corpo a língua através da escrita, utilizando-se do neologismo. Assim, poderemos observar as seguintes etapas para esses três tipos de planejamento lingüístico: 1. Estabelecer processos e pesquisas. 2. Objetivos a longo prazo. 3. Envolvimento local e periférico (povo e governo). 4. Conflitos entre grupos e pessoas tende a ser amenizados pelo planejamento. 5 . Previne e reduz facções em torno da língua.
Então, para revitalizar o uso e aquisição das línguas indígenas, acredita-se que seguindo os três tipos de planejamento e as etapas apontadas, sempre através de discussões, analises, e as comunidades indígenas em total participação juntamente com o não-índio, será possível, futuramente, muitas das línguas continuarem a existir e o número de falantes e estudiosos aumentando a cada passo.

NÃO DEIXE-ME MORRER
            Tratar das dificuldades em que nos defrontamos em estudar uma língua ameaçada de extinção é abordar aspectos relacionados à morte da língua. Mas afinal, como se categoriza a morte de uma língua? Para Silva (2002, p. 57), “a morte da língua se dá de maneira tão abrupta que não é possível identificar os estágios de desaparecimento de uma determinada língua”.
            Mediante o contexto da morte de uma língua, como pode o pesquisador estudar uma língua com poucos falantes ou às vezes apenas um falante, eis o primeiro caso de morte, as dificuldades do sujeito “real” na pesquisa. Ainda, nesse contexto, temos o segundo caso de morte que são as imposições e opressão política impostas pelos falantes de uma determinada língua, ou seja, o outro não deve falar a sua língua, pois encontra-se numa situação menor, deve usar a língua daquele que se encontra economicamente, politicamente e culturalmente superior. E o terceiro caso de morte de uma língua é quando ela deixa de ser falada cotidianamente e passa a serem usadas somente nos rituais, festas e danças. (SILVA, 2002).
            Podemos perceber o quanto é difícil estudar, pesquisar sobre a obsolescência de uma língua indígena, pois o caso mencionado acima por Silva coloca-nos mediante situações que não estão ao alcance do pesquisador, por mais que o mesmo tenha total condição de realizar as pesquisas, mas fatores podem contribuir para que a mesma não seja realizada, devido à falta de falantes, imposições políticas do colonizador e a situação da falta de utilização rotineira da língua.
            Segundo Lucy Seki (1984) “as línguas obsolescentes – redução gradativa e conseqüentemente desaparecimento, tem sido objeto de estudos e pesquisas pelos lingüistas e outros, porém, ainda é muito pouco o que se tem realizado de fato para evitar a morte de uma ou mais línguas indígenas.
            Um dado interessante que merece destaque é que somente a partir da década de 70, começam a surgirem trabalhos com a perspectiva de analisar o processo de extinção das línguas indígenas. (SILVA, 2002).
            Nas pesquisas a partir da década de 70, é que observamos o quanto diversas línguas poderiam estar em uso, ou muitas delas poderiam ter tido outro viés, além o da morte, claro, pois apesar de termos uma catalogação de um número significativos de línguas é importante estudá-las, codificá-las e cuidar que as mesmas não entrem em processo de desuso. Os povos indígenas necessitam da língua como marca cultural de sua identidade e afirmação, portanto, políticas públicas devem ser voltadas para esse campo de pesquisa, dando total apoio financeiro e estrutural aos pesquisadores lingüistas.
            Esses estudos podem contribuir bastante para as universidades, bem como para a teoria lingüística e, sobretudo para a inclusão das comunidades indígenas na sociedade. O foco está na relação da estrutura e a função da linguagem, ou seja, será através das políticas públicas que as línguas minoritárias passarão a serem estudadas antes que elas deixem de existir, pois afinal, uma língua morre quando ela deixa de ser codificada, descrita, mesmo através de registros, quando deixa de se desenvolver. (SEKI, 1984).
            Como existem as dificuldades para os pesquisadores realizarem seus trabalhos voltados para a morte de línguas, então é de suma importância a formulação de uma metodologia adequada que gere resultados. Assim, Cristófaro-Silva, identificou três categorias de falantes para se entender melhor o objeto da pesquisa, são elas: falantes fluentes, semifalantes e inseridores.
            Através dessas três categorias, elas contribuem para a análise dos dados coletados nas comunidades cujas línguas estão diminuindo o uso freqüente delas. Assim, o pesquisador pode identificar quem são os falantes fluentes, semifalantes e os inseridores, separando-os para que a pesquisa tenha uma relevância maior no campo científico e contribua para a sobrevivência das línguas em extinção.
            A mesma autora cita Dorian, propondo três técnicas para a aquisição de dados na pesquisa de línguas: (i) aplicar questionários com objetivos específicos, (ii) solicitar a tradução de sentenças, (iii) gravar conversar entre falantes. Ou seja, na visão de Dorian, objetividade e facilidades para realizar as pesquisas.
            Outro ponto que destaco segundo Lucy Seki, são outras dificuldades encontradas para o estudo das línguas em extinção, por exemplo: a rivalidade entre os grupos e subgrupos étnicos dentro das comunidades indígenas. E outro fator, é o nível de saberes dos falantes, pois ao passo que as línguas estão se tornando obsoletas, como ter certeza de que a fala do indígena realmente está carregada de essência no uso semântico, léxico, sintático e gramatical. E ainda, temos o número limitado de informantes potenciais e o grau de conhecimento deles devido à interferência da língua portuguesa em suas respectivas comunidades.
              Nossa abordagem inicial foi apresentar um breve histórico sobre a colonização do Brasil e consequente subordinação dos povos indígenas e os impactos que implicaram desse contato que trouxeram sequelas significativas destruídoras a esses povos: dizimação, usurpação de suas terras e cultura.  Logo após, fizemos uma abordagem da visão em que os livros didáticos trazem sobre a presença do índio na sociedade brasileira, o mesmo ainda é visto de forma pejorativa, sem realmente mostrar a comunidade indígena, como sujeitos atuantes culturalmente e iguais a todos.
            Outro ponto foi sobre a Política Linguística e a Política de Planejamento para contribuir na afirmação da identidade indígena e na utilização das línguas como marca primordial na Cultura dessas comunidades. E finalizamos a resenha abordando a temática obsolescência de uma língua, expondo as dificuldades em que os pesquisadores encontram para realizarem pesquisas e colaborarem de forma significativa na luta pela preservação das línguas indígenas.
            Durante toda a produção do texto, trouxemos autores que tem nas suas experiências profissionais de pesquisadores e ou professores uma vasta gama de pesquisas e conhecimentos sobre as comunidades indígenas, assim a resenha está pautada no alicerce teórico construídos por anos de estudos e a nossa contribuição é a de reforçar os estudos pautadas na temática indígena.


REFERÊNCIAS
D’ANGELIS, Wilmar da Rocha. A educação escolar em novos contextos políticos e culturais. Veiga, Juracilda; Salanova, Andrés(Orgs.) Questões de educação escolar indígena: da formação do professor ao projeto de escola./ Darlene Taukane... (et al). - Brasília: FUNAI/DEDOC, Campinas/ALB, 2001.
GONÇALVES, Solange Aparecida. Por um planejamento linguístico local. Revista: Investigação. Vol. 22, no 2, Julho/2009.
GRUPIONI, Luís Donisete Benzi. Livros didáticos e fontes de informações sobre as sociedades indígenas no Brasil. In: SILVA, Aracy Lopes da. GRUPIONI, Luís Donisete Benzi. (orgs.). A temática Indígena na escola: novos subsídios para professores de 1º e 2º graus. 4º ed. São Paulo: Global: Brasília: MEC: MARI: UNESCO, 2004.
OLIVEIRA, Roberto Cardoso de. Ação indigenista, eticidade e o diálogo interétnico. Estudos Avançados 14 (40) 2000.
SEKI, Lucy. Problemas no estudo em uma língua em extinção. Boletim da ABRALIN, 06, 109 – 118, 1984.
SILVA, Thais Cristófaro. Morte de língua ou mudança linguística? Uma revisão bibliográfica.Revista do Museu Antropológico - UFG. Goiás. Volumes 5-6, Número. 1. pp 55-73. 2002.